Boa Vista é força, raça e samba no pé: resultado do Carnaval de Vitória sai nesta terça-feira (5)

Desfile da Boa Vista emocionou o público na madrugada de domingo.FOTO: Semco / Lucas Calazans

Desfile da Boa Vista emocionou o público na madrugada de domingo.FOTO: Semco / Lucas Calazans


Madrugada de domingo. O grito da águia ecoa no Sambão do Povo à 1h39. O Grêmio Recreativo Escola de Samba Independente de Boa Vista levanta foliões em arquibancadas, mesas de pista e camarotes, com o alusivo puxado por seu intérprete e presidente, Emerson Xumbrega. “Vamos nesta, Boa Vista!”.


E o que se vê na passarela do samba é um espetáculo de pura emoção. O público pulsa na mesma cadência da bateria Águia Furiosa, comandada por mestre Picolé e apresentada aos jurados pela rainha Bryce Caniçali.


A escola confirma sua tradição de ter na comunidade sua maior força: componentes cantando o samba com amor e dedicação durante todo o desfile. A bateria, que dança com uma coreografia bem marcada e convida o público a dançar junto, resolve fazer um “paradão”. Os foliões vibram junto, cantam o samba e enlouquecem de alegria. Apoteótico!


Destaque para o setor dos atabaques, reforçando a influência da musicalidade afro-brasileira e fazendo referência ao jongo e ao batuque. Os instrumentos são levantados por seus ritmistas bem ao estilo Olodum e Timbalada. A bateria é a personificação da letra do samba, que diz: “Ô Ô Ô Ô... Axé! Comigo trago a minha fé. Sou Boa Vista, pode falar quem quiser. Sou força, raça e samba no pé”.


De semba veio o samba


Mãe África... cantada e exaltada tantas vezes em tantos sambas. Berço! E o primeiro setor da Boa Vista traz essa história. Na Comissão de Frente, eis que surgem os seres iluminados. É o nascimento dos guerreiros que lutarão pela liberdade e igualdade racial.


Eles vêm abrindo caminho para o pavilhão da escola. Representando as cores da África, o casal de mestre-sala e porta-bandeira Marcio Siqueira e Shayenne Santos baila misturando o sagrado e o profano.


O carro abre-alas, “Diáspora africana”, impressiona pela grandeza. O navio negreiro vem com a águia, símbolo da escola, à frente. E traz os negros acorrentados. Mas nem mesmo os grilhões da escravidão são capazes de prender a alma guerreira.


Força e crença


Num santuário de fé, o reviver de crenças, mistérios e magias. Sob o jugo do branco conquistador, que não entende nem respeita suas tradições, os negros encontram forças para resistir em sua religiosidade com a força de Oxalá.


E no sorriso das crianças, um grande elo de fraternidade. Cabe aos pequenos da Boa Vista, com fantasia de Afoxé, lembrar a caminhada dos movimentos negros pela paz.


Quilombo


Num desfile que faz relembrar Kizomba, Zumbi, guerreiro de Ogum, é o símbolo da luta pela liberdade. O terceiro setor da escola traz os quilombolas e a corte do Maracatu precede aquelas que são a alma da escola: as baianas. No rodar de suas saias, a festa do Congado, com elas vestidas de Rainha Ginga, guerreira de Angola.


No reisado e na capoeira, negro ginga de lá e de cá. E a promessa de um novo dia chega com a assinatura da Lei Áurea (1888). E a própria princesa Izabel quem o faz, trazida ao Sambão do Povo num tripé.


Igualdade


Um grito forte ecoa no ar contra o racismo, contra o apartheid. "Um abraço negro pra quem tem fé, um sorriso negro pra quem vier, paz, amor, dignidade, negro é a raiz da liberdade", canta o samba. E um dos maiores símbolos desse movimento vem no terceiro carro: Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul.


E a África se faz, ainda mais, majestosa ao ouvir retumbar em suas savanas, entre seus tantos povos, a liberdade.


África-Brasil


As tribos se unem, batucam, confraternizam em profusão de cores, mas num único canto de amor. É Boa Vista e pode falar quem quiser! A Velha Guarda, os baluartes do samba, rendem homenagem a toda a história do continente africano e sua influência na formação do povo brasileiro.


Fechando o desfile, o último carro é o abraço negro, o sorriso negro. E quando a escola atravessa o pórtico que marca o fim da passarela do samba, com uma hora e sete minutos de evolução, o público reconhece a grandiosidade do trabalho feito. Aplaude, ovaciona, e grita: “é campeã”.


Na voz do presidente, Xumbrega, o sentimento partilhado por todos na dispersão: “Tudo isso é para mostrar que viemos para brigar pelo título. Queremos ser tricampeões e temos tudo para levar esse campeonato”.



Desfile da Boa Vista


Galeria de imagens


Semco/Lucas Calazans



Informações Adicionais:


Texto: Brunella França


Jornalista responsável: Evandro Costalonga